Como cai um avião
O avião é o meio de transporte mais seguro que existe. Mas algo
sempre pode dar errado. Quais são os principais riscos de voar? E o que
realmente pode acontecer durante um acidente?
por Bruno Garattoni e Sylvia Estrella
"Senhores
passageiros, sejam bem-vindos. Em nome da SincereAir, a companhia aérea
que só fala a verdade, peço sua atenção para algumas instruções de
segurança. Primeiramente, gostaríamos de parabenizar os passageiros que
estão sentados no fundo da aeronave - em caso de emergência, sua chance
de sobreviver será bem maior. Durante a decolagem, o encosto de sua
poltrona deverá ser mantido na posição vertical. Isso porque, em nossa
nova e moderna frota de aeronaves, as poltronas da classe econômica são
tão apertadas que impedem a evacuação da aeronave em caso de emergência.
Na verdade, se a segurança fosse nossa maior prioridade, colocaríamos
todos os assentos virados para trás. Metade do ar dentro da cabine é
reciclado, o que nos ajuda a economizar combustível. Isso poderá reduzir
a taxa de oxigênio no seu sangue, mas não costuma ser perigoso - e
geralmente causa uma agradável sonolência. Mantenha o cinto de segurança
afivelado durante todo o voo - ou você poderá ser vítima de
turbulência, que é inofensiva para a aeronave, mas mata 25 passageiros
por ano. Lembramos também que o assento de sua poltrona é flutuante. Não
que isso tenha muita importância: a probabilidade de sobreviver a um
pouso na água com um avião grande é mínima (geralmente a aeronave
explode ao bater na água). Obrigada por terem escolhido a SincereAir, e
tenham todos uma ótima viagem!"
Leia também: Como escolher seu assento no avião
Nenhuma
empresa aérea revelaria verdades como essas. Afinal, mesmo que o avião
seja o meio de transporte mais seguro que existe, ele não é (nada é)
100% seguro. A partir de uma série de estudos feitos por especialistas,
chegamos às principais causas de acidentes - e descobrimos fatos
surpreendentes sobre cada uma delas. Prepare-se para decolar (e cair).
Despressurização Quando as máscaras caem.
Quanto
mais alto você está, mais rarefeito é o ar. Com menos resistência do
ar, o avião consegue voar muito mais depressa - e gasta bem menos
combustível. É por isso que os aviões comerciais voam bem alto, a 11 km
de altura. O problema é que, nessa altitude, a pressão atmosférica é
muito baixa (veja no infográfico abaixo). Não existe ar suficiente para
respirar. Por isso, os aviões têm um sistema que comprime o ar
atmosférico e joga dentro da cabine: a pressurização. É uma tecnologia
consagrada, que estreou na aviação comercial em 1938 (com o Boeing 307).
Mas, como tudo na vida, pode falhar. Sabe quando a aeromoça diz que "em
caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente"?
Não assusta muito, né - parece bem menos grave do que uma pane na
turbina do avião, por exemplo. Ledo engano. A despressurização pode
matar, e rápido. Ao contrário do afogamento ou de outros tipos de
sufocação, aos quais é possível resistir por alguns minutos, uma
despressurização aguda faria você apagar em menos de 15 segundos. Em
agosto de 2008, um Boeing 737 da companhia Ryanair, que ia para
Barcelona, sofreu despressurização parcial da cabine. "Veio uma lufada
de vento gelado e ficou incrivelmente frio. Parecia que alguém tinha
aberto a porta do avião", contou um dos passageiros ao jornal inglês
Daily Telegraph. Para piorar as coisas, nem todas as máscaras de
oxigênio caíram automaticamente. E, das que caíram, várias não liberavam
oxigênio. O que salvou os 168 passageiros é que o avião estava voando a
6,7 km de altura, mais baixo do que o normal, e isso permitiu que o
piloto reduzisse rapidamente a altitude para 2,2 km, onde é possível
respirar sem máscara.
Falha estrutural (ou como a força G pode despedaçar a aeronave). O
avião pode perder uma asa, leme ou outra parte vital quando está no ar.
Quase sempre, o motivo é manutenção malfeita - a estrutura acumula
desgaste até quebrar. Mas isso também pode acontecer com aeronaves em
perfeito estado. Se o piloto fizer certas manobras, gera forças
gravitacionais muito fortes - e a fuselagem arrebenta. Foi o que
aconteceu em 2001, com um Airbus A300 da American Airlines que decolou
de Nova York. O piloto pegou turbulência, se assustou e tentou
estabilizar a aeronave com movimentos normais, porém bruscos. O rabo do
avião quebrou e o A300 caiu, matando 260 pessoas. Pode parecer um caso
extremo, mas a resistência dos aviões à força G é uma preocupação
central da indústria aeronáutica. Os jatos modernos têm sistemas que
avisam quando estão voando com ângulo, velocidade ou trajetórias que
possam colocar em risco a integridade da fuselagem. E a Boeing adiou o
lançamento de seu novo avião, o 787, para alterar o projeto dele
(simulações indicaram que, durante o voo, as asas poderiam sofrer forças
G altas demais).
Pane nas turbinas Acontece. Mas não pelo que você pensa.
O
maior inimigo das turbinas não são as falhas mecânicas; são os
pássaros. Entre 1990 e 2007, houve mais de 12 mil colisões entre aves e
aviões. As turbinas são projetadas para suportar alguns tipos de pássaro
(veja abaixo), e isso é testado em laboratório com uma máquina, o
"canhão de galinhas", que dispara frangos mortos contra as turbinas a
400 km/h. Desde 1990, 312 turbinas foram completamente destruídas em voo
pelos pássaros. Se o avião perder um dos motores, consegue voar só com o
outro. Mas, se isso acontecer durante a decolagem, quando a aeronave
está baixa e lenta (90% dessas colisões acontecem a menos de 1 000
metros de altitude), ou se os pássaros destruírem ambas as turbinas, as
consequências podem ser dramáticas. Como no incrível caso de um Airbus
A320 da US Airways que perdeu os dois motores logo após decolar de Nova
York, em janeiro de 2009. Mesmo sem nenhuma propulsão, o piloto
conseguiu voar mais 6 minutos e levar o avião até o rio Hudson. Num dos
raríssimos casos de pouso bem-sucedido na água, ninguém morreu.
Falha nos computadores Sim, eles também se enganam. E quando isso acontece...
Os
computadores de bordo são vitais na segurança de voo. Mas também podem
falhar. Como no caso do Airbus A330 - o mais computadorizado dos jatos
atuais. Nos últimos 12 meses, sete A330 enfrentaram uma situação
crítica: partes do computador de bordo desligaram ou apresentaram
comportamento errôneo. Num desses casos, o desfecho foi dramático (o voo
da Air France que ia de São Paulo para Paris e caiu no oceano
Atlântico, matando 232 pessoas). Mas o problema não é exclusividade da
Airbus. Em agosto de 2005, um Boeing 777 da Malaysia Airlines que
decolou da Austrália teve de retornar às pressas depois que, aos 18
minutos de voo, o piloto automático começou a inclinar o avião de forma
perigosa. Era um problema de software.
Erro humano Na maior parte das vezes, o piloto tem (alguma) culpa.
Os
acidentes aéreos são uma sequência de erros que se somam. E, em 60% dos
casos, essa equação inclui algum tipo de falha humana. A pior de todos
os tempos aconteceu em 27 de março de 1977. Foi na ilha de Tenerife, um
enclave espanhol a oeste da costa africana. Vários fatores se juntaram
para produzir essa tragédia. Primeiro: um atentado terrorista fechou o
principal aeroporto de lá e fez com que todo o tráfego aéreo fosse
desviado para um aeroporto menor, Los Rodeos, que ficou sobrecarregado e
cheio de aviões parados no pátio. Entre eles, dois Boeing 747. Um vinha
de Amsterdã, o outro de Los Angeles. O avião americano solicitou
autorização para decolar. Quem estava no comando era o piloto Victor
Grubbs, 57 anos e 21 mil horas de voo. A torre de controle respondeu
negando - era preciso esperar a saída do outro 747, o holandês, pilotado
pelo comandante Jacob van Zanten. Zanten ficou impaciente, porque sua
tripulação já estava em serviço havia 9 horas. A torre de controle
reposicionou as aeronaves. O nevoeiro era muito forte e, por um erro de
comunicação, o avião americano foi parar no lugar errado. Ignorando
instruções, o 747 holandês começou o procedimento de decolagem.
Acelerou e bateu com tudo no outro avião, que manobrava à frente. Foi o
pior acidente da história, com 583 mortos.
Turbulência Como o avião pode perder a sustentação no ar.
Turbulência
não derruba avião. Os jatos modernos são projetados para resistir a
ela. Você já ouviu esse discurso? É uma meia-verdade. Um levantamento
feito pela Federal Aviation Administration (FAA), agência do governo
americano que estuda a segurança no ar, revela que entre 1992 e 2001
houve 115 acidentes fatais em que a turbulência esteve envolvida,
deixando 251 mortos. Na maior parte dos casos, eram aviões pequenos, mas
também houve mortes em aeronaves comerciais - as vítimas eram
passageiros que estavam sem cinto de segurança, e por isso foram
arremessados contra o teto a até 100 km/h (velocidade suficiente para
causar fratura no pescoço). Ou seja: em caso de turbulência, o maior
perigo não é o avião cair. É você se machucar porque está sem cinto. Os
aviões têm instrumentos que permitem detectar com antecedência as zonas
turbulentas, dando tempo para desviar, mas isso nem sempre é possível:
existe um tipo de turbulência, a "de ar limpo", que não é captada pelos
instrumentos da aeronave. Felizmente, é rara: só causou 2,88% dos
acidentes fatais.
Veja também
Infográfico: O que acontece numa turbulência de avião
Pane hidráulica Existe um encanamento que corre por toda a fuselagem. Se ele furar, as consequências podem ser terríveis.
Os
controles do avião dependem do sistema hidráulico - uma rede de canos
que liga o cockpit às partes móveis do avião. Esses canos estão cheios
de fluido hidráulico, uma espécie de óleo. Quando o piloto dá um comando
(virar para a esquerda, por exemplo), um sistema de bombas comprime
esse óleo - e o deslocamento do líquido movimenta as chamadas
superfícies de controle. São as peças que controlam a trajetória do
avião, como o leme e os flaps. O sistema hidráulico é tão importante,
mas tão importante, que os aviões modernos têm nada menos do que três:
um principal e dois de reserva. Por isso mesmo, a pane total é muito
rara. Mas ela é o pior pesadelo dos pilotos. "O treinamento para
situações de pane hidráulica é muito frequente e exige bastante dos
pilotos", explica o comandante Leopoldo Lázaro. Se os 3 sistemas
hidráulicos falharem, a aeronave perde totalmente o controle. E isso já
aconteceu. Em julho de 1989, um McDonnell Douglas DC-10 decolou de
Denver com destino a Chicago. Tudo corria bem até que a turbina
superior, próxima à cauda do avião, explodiu. Estilhaços do motor
penetraram na fuselagem e cortaram os canos de todos os sistemas
hidráulicos. O avião não tinha como subir, descer, virar nem frear. Aí o
comandante Alfred Haynes, 58 anos e 37 mil horas de voo, realizou uma
das maiores proezas da história da aviação. Usando o único controle de
potência das turbinas, o único que ainda funcionava no avião, conseguiu
fazer um pouso de emergência. A aeronave explodiu, mas 185 dos 296
passageiros sobreviveram.
Um avião grande carrega 600 litros de fluido hidráulico, que se distribui por redes de canos.
Fonte - Boeing
Meses de risco Em quais épocas do ano acontecem mais acidentes*
Jan - 8,96%
Fev - 7,4%
Mar - 8,77%
Abr - 6%
Mai - 5,84%
Jun - 8,18%
Jul - 9,74%
Ago - 8,96%
Set - 9,55%
Out - 8,18%
Nov - 9,55%
Dez - 7,79%