As
agulhas dos instrumentos do Instituto Sismológico de Uppsala, na
Suécia, chacoalharam no dia 30 de outubro de 1961. Momentos depois,
outros aparelhos ao redor do mundo também detectaram o que parecia ser
um terremoto de 5 graus na escala Richter. Mas o tremor nada tinha de
natural. Era uma onda de choque que deu três voltas no planeta - e
resultado da maior explosão nuclear de todos os tempos. A União
Soviética havia acabado de detonar a mais potente arma já produzida pelo
homem: a bomba nuclear RDS-220. Por seu enorme poder destrutivo, ganhou
o apelido de BombaTsar. O nome é uma referência ao tzar Ivã 4º, também
conhecido como Ivã, o Terrível, que governou a Rússia no século 16 (e
ganhou esse apelido por ter liderado o país em seis guerras, e pelo
humor instável e explosivo).
A hiperbomba foi detonada no Círculo Polar Ártico, na ilha de Nova
Zemlia, um local desabitado que os soviéticos costumavam usar para
testes nucleares. A força da Bomba Tsar, de aproximadamente 50 megatons,
equivale a 50 milhões de toneladas de dinamite, ou a 3.300 bombas de
Hiroshima (cuja detonação completou 70 anos no mês passado). Sozinha,
ela é dez vezes mais potente do que todos os explosivos da Segunda
Guerra Mundial - somados. O cogumelo nuclear chegou a 64 quilômetros de
altura, seis vezes a altitude em que voam os aviões comerciais, e sete
vezes o tamanho do Monte Everest. Atingiu a mesosfera, a camada da
atmosfera onde os meteoritos entram em combustão.
Ela foi lançada por um bombardeiro Tupolev TU-95, que era comandado
pelo major Andrei Durnovtsev, e liberada a uma altitude de 10.500
metros. Um paraquedas retardou a queda da bomba, que pesava 25
toneladas, para que o avião tivesse tempo de se afastar antes da
explosão. Quase não deu. O avião voava a 644 km/h, e já estava a 45
quilômetros de distância quando a detonação aconteceu, quatro minutos
depois. Mesmo assim, foi atingido pela onda de choque e quase caiu -
despencou mil metros de uma vez só. Outras aeronaves observaram e
filmaram o momento em que a Bomba Tsar foi detonada. "O espetáculo era
fantástico, irreal, sobrenatural", disse um dos militares que
documentaram a operação. Segundo ele, à medida que a bola de fogo
crescia, parecia sugar a terra.
Embora a bomba tenha sido detonada no ar, a 4 quilômetros do chão,
seus efeitos no solo foram devastadores. "A superfície da ilha foi
nivelada, varrida e polida, como se virasse uma pista de patinação. A
mesma coisa aconteceu com as pedras. A neve derreteu e suas bordas estão
brilhando. Não há um sinal de imperfeição no solo", disse o relatório
soviético sobre a inspeção no lugar, tempos depois. Tudo no local havia
sido destruído e derretido. Outros efeitos da explosão foram percebidos
muito longe dali. O clarão foi avistado a uma distância de 1.000
quilômetros, mesmo com céu nublado. Um observador a 270 quilômetros de
distância viu o lampejo mesmo de óculos escuros e pôde sentir o calor
emitido pela explosão. A onda de choque derrubou as casas de madeira e
arrancou telhados, janelas e portas de casas de alvenaria. Qualquer
pessoa que estivesse num raio de 100 quilômetros do centro da explosão
sofreria queimaduras de terceiro grau.
As bombas nucleares causam três tipos diferentes de dano. O primeiro é
a onda de choque, que, dependendo da potência da arma, derruba prédios
em uma grande área e arremessa as pessoas atingidas. Depois vem a onda
de calor, que incinera tudo o que está na região e provoca queimaduras
graves. Por último, vem a radiação. O centro da explosão fica altamente
contaminado por radioatividade. Mas a bomba também espalha poeira
radioativa, que é levantada pelo vento e cai a milhares de quilômetros
de distância, junto com a chuva. Isso significa que áreas gigantescas
podem ficar contaminadas, por muito tempo. O Atol de Bikini, no
Pacífico, onde os americanos fizeram testes nucleares na década de 1950,
continua inabitável até hoje.
Uma pequena comparação pode dar uma ideia melhor dos terríveis
efeitos daBomba Tsar. Se tivesse sido detonada sobre a Avenida Paulista,
no coração de São Paulo, a onda de choque derrubaria quase todas as
construções num raio de 9 quilômetros - praticamente toda a região da
capital paulista entre os rios Tietê e Pinheiros, o Aeroporto de
Congonhas e o início da zona leste. Mas a coisa não pararia aí. Uma
cratera de 340 metros de profundidade por 3 quilômetros de diâmetro
tomaria todo a área central da metrópole. A bola de fogo, com
aproximadamente 5 quilômetros de diâmetro, chegaria quase até o Parque
do Ibirapuera, iniciando um grande incêndio que provavelmente se
espalharia pela cidade. O calor provocaria queimaduras de terceiro grau
até em moradores de Jundiaí, Atibaia, Mogi das Cruzes e Santos. A chuva
radioativa poderia chegar ao sul da Bahia, dependendo da direção e
velocidade dos ventos.
A hiperbomba russa era incrivelmente forte. Enquanto as armas
nucleares americanas tinham potência suficiente para devastar uma
cidade, o artefato russo era capaz de varrer do mapa Estados inteiros.
Uma quantidade relativamente pequena de Bombas Tsar seria suficiente
para arrasar a civilização como a conhecemos. E os russos queriam que
todo mundo, em especial os EUA, soubesse disso.
No 22º Congresso do Partido Comunista, o secretário-geral Nikita
Kruschev prometeu que os soviéticos criariam uma bomba nuclear de 100
megatons. Os próprios cientistas, no entanto, ficaram com receio do que
poderia acontecer. Anos depois, os físicos Viktor Adamsky e Yuri
Smirnov, que participaram do projeto, revelaram que uma explosão dessa
magnitude teria gerado um tornado de fogo gigante, capaz de engolir uma
área de mais de 30 mil quilômetros quadrados (um pouco maior que o
Estado de Alagoas). Por isso, os russos acharam melhor reduzir
a Bomba Tsar para 50 megatons. Ela tinha essa potência toda graças a uma
inovação tecnológica: era umabomba atômica de três estágios.
As primeiras bombas atômicas, detonadas em Hiroshima e Nagasaki,
tinham apenas um estágio. Grosso modo, elas funcionam da seguinte
maneira. Um explosivo tradicional, colocado dentro da bomba, estoura - e
comprime o material nuclear (urânio, no caso da bomba de Hiroshima, e
plutônio, no caso da bomba de Nagasaki). Isso inicia uma reação de
fissão nuclear, ou seja, a quebra dos núcleos dos átomos de urânio ou
plutônio. Uma quantidade enorme de energia é liberada, e
a bomba explode.
Na década de 1950, os americanos deram um passo além, e inventaram
uma versão de dois estágios. É a bomba termonuclear, também conhecida
comobomba de hidrogênio. Ela também faz fissão nuclear, como suas
antecessoras. Só que não para aí. A energia gerada pela fissão é usada
para espremer átomos de hidrogênio, que estão armazenados no segundo
estágio da bomba, uns contra os outros. Eles se juntam, e acontece a
chamada fusão nuclear - que libera ainda mais energia. É o que ocorre
naturalmente em estrelas como o Sol.
Na Bomba Tsar, os cientistas acrescentaram um terceiro estágio -
também de fusão de hidrogênio. O design inicial da arma soviética previa
50% de fissão e 50% de fusão para produzir os 100 megatons previstos.
Mas, para domar a bomba, os cientistas trocaram parte do urânio por
chumbo. Além de diminuir a potência da explosão, isso teve um efeito
colateral surpreendente: a Bomba Tsar espalhava muito menos radiação do
que seria normal numa explosão daquele tamanho. Isso evitou que ela
contaminasse grandes áreas da Europa (e da própria URSS).
Tudo foi feito às pressas, e sob muita pressão política. Foram apenas
quatro meses entre o início do projeto, no laboratório ultrassecreto
Arzamas-16, e o teste em Nova Zemlia. O design da arma só ficou pronto
em 24 de outubro, seis dias antes do lançamento. A equipe, liderada pelo
físico nuclear Andrei Sakharov, teve de trabalhar com estimativas e
projeções, porque não havia tempo. "Se não criarmos essa coisa, vamos
ser enviados para construir ferrovias", disse Sakharov, na época.
A bomba mudaria a vida dele para sempre. Ao perceber a monstruosidade do
que tinha inventado, ele se tornou um ativista antiarmas nucleares e,
em 1975, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
A explosão da bomba provocou pânico em todo o mundo, e era exatamente
isso o que os soviéticos queriam. Em nenhum momento Kruschev manteve
segredo sobre o artefato. Pelo contrário. Fez questão de dizer que seria
produzido e detonado, e que os americanos ficassem sabendo. É que, no
início dos anos 1960, a situação geopolítica era desfavorável para os
russos. A tensão em Berlim levou à construção do muro e, pouco tempo
antes, a França detonara sua primeira bomba nuclear, transformando-se na
quarta potência atômica, depois de Reino Unido, URSS e Estados Unidos.
A BombaTsar, muito mais potente do que as armas dos outros países (o
máximo que os EUA conseguiram chegar foi a 15 megatons, num teste em
1954), era uma demonstração de força - e também uma cartada dos
soviéticos para desacelerar a corrida armamentista. "As bombas nucleares
tinham ido muito além do que havíamos imaginado", diz Andrew Futter,
especialista em política internacional da Universidade de Leicester.
Mais do que uma ação militar, a Bomba Tsar foi uma manobra política.
Numa guerra real, ela não teria grande serventia prática, porque era
muito pesada e precisava ser carregada por um avião grande e lento. "O
tipo de aeronave necessária para lançá-la provavelmente seria
derrubada", explica Futter. Em suma: além de ser o artefato tecnológico
mais destrutivo e assustador já criado pelo homem, a Bomba Tsar também
era um blefe geopolítico. Deu certo.
A explosão reverberou pelo mundo e, dois anos depois, EUA e URSS
assinaram um tratado para frear a corrida armamentista. A partir dele,
ficou proibido testar bombas explodindo-as na atmosfera, sob a água
(como nos oceanos) ou no espaço. A explosão da maior de todas as bombas,
na prática, serviu para frear a escalada nuclear.
Americanos e russos continuaram se enfrentando e testando artefatos
do tipo, mas em explosões subterrâneas e com armas de potência muito
menor. (Hoje, os EUA possuem aproximadamente 5 mil armas nucleares, e os
russos têm 3 mil - quase dez vezes menos do que nos anos 1960). A
Guerra Fria ainda duraria três décadas. Mas a corrida para desenvolver
bombas cada vez maiores parou ali. Graças à Tsar.
Na mesma época em que os soviéticos desenvolveram a Bomba Tsar, os
americanos criaram uma arma nuclear igualmente assustadora: a bomba de
nêutrons (seu nome técnico é "bomba de radiação aumentada"). Ela é
projetada para matar, mas causando o mínimo possível de dano a prédios e
construções em geral. Quando uma bomba atômica tradicional explode, 5%
da energia é liberada na forma de nêutrons (partículas subatômicas que,
junto com os prótons, formam o núcleo do átomo). Na bomba de nêutrons, é
45%. Ou seja, ela produz muito mais radioatividade. Isso torna possível
a criação de bombas pequenas, com carga explosiva bem menor (1 kiloton,
por exemplo), mas que mesmo assim matariam muita gente - por
envenenamento radioativo. Além dos EUA, Rússia, França e China possuem
essa tecnologia.